sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Afinal, para que serve o Dia Mundial do Rock?


Essa é uma pergunta que eu venho fazendo a mim mesmo desde meus velhos tempos na saudosa Enseada FM. Confesso que nunca consegui chegar a uma resposta satisfatória. Será que o Rock algum dia precisou constar no calendário oficial do planeta? Será que o mundo realmente precisava de um Dia Mundial do Rock?
 
Para o Rock, eu tenho certeza que essa data não ajuda em nada. Só serve para dar um bom nome a uma manifestação artística -- há quem discorde disso, mas enfim... -- que nunca fez questão de ter o menor respeito de ninguém, e sempre preferiu seguir na contramão de qualquer modalidade de bom mocismo.
 
O Dia Mundial do Rock existe por conta da lembrança do Live-Aid. Para quem não sabe, ou já esqueceu, o Live-Aid foi um mega-evento realizado no dia 13 de Julho de 1985 pelo irlandês Bob Geldof, líder da pouco conhecida banda Boomtown Rats, que ficou obstinado pela idéia de ajudar as pessoas que passavam fome na África. Isso depois de ter assistido pela televisão ao premiado e muito festejado documentário Fome na Etiópia, que mostrava pessoas num estado tão extremado de subnutrição que não tinham força sequer para espantar as moscas que as rodeavam. Daí, Geldof idealizou, produziu e escalou shows estelares que rolaram simultaneamente na Inglaterra e nos Estados Unidos – e que foram um sucesso de público estrondoso, com 170 mil pagantes, mais 1,5 bilhão de pessoas assistiram tudo pela TV. Participaram do Live-Aid nada menos que Tina Turner, Madonna, David Bowie, Sting, Bob Dylan, Eric Clapton, Elton John, Paul McCartney, Jimmy Page, Robert Plant, além das bandas The Rolling Stones, The Who, U2, etc.

O grande objetivo do Live-Aid –- além de promover Bob Geldof ao superestrelato –- era reverter todos os lucros obtidos para as vítimas da seca que devastava a África. E isso foi cumprido à risca. Com a venda de ingressos a 35 dólares e a venda dos direitos de transmissão a 160 países, o espetáculo conseguiu arrecadar cerca de 70 milhões de dólares, um sucesso estrondoso para a época. Só a carreira musical de Bob Geldof é que não deu certo mesmo. Seu talento como marquetólogo é inversamente proporcional aos seus dotes artísticos.
 
Bom, então qual o sentido em se comemorar o Dia Mundial de um gênero musical, em detrimento de outros? O que o Rock tem de tão especial para receber uma honraria como essa? Ou, refazendo a pergunta, o que ganha o Rock sendo agraciado com uma honraria tão duvidosa quanto esta?
 
A única resposta que me ocorre é lamentável: essa data foi inventada, sem nenhuma função específica, por aquele bando de desocupados que povoam o prédio da ONU em Nova York, e que adoram fazer proselitismo barato para ganhar as páginas dos jornais. Nada além disso.
Rock, claro, não tem coisa alguma a ver com essa palhaçada. Rock é coisa de ovelha negra da família, de feios, sujos e malvados. É coisa de "angry young men" e de "dirty old men". É coisa de gente desalinhada, desajustada, desencanada. Não é para almofadinhas, nem para a turma do Coro dos Contentes - essa gente que adora gastar baterias de celulares bestamente iluminando a platéia em megashows, e ainda por cima canta em uníssono coisas altamente comprometedoras como "Eu Ainda Não Achei O Que Estou Procurando".
 
Se o Rock continua vivo cinqüenta e poucos anos depois de ter sido inventado oficialmente -- pelo mestiço Elvis Presley, obviamente sem querer --, é porque vive se reinventando.
 
Foi assim nos anos 60, com Bob Dylan, Jimi Hendrix, Beatles, Stones, Grateful Dead, Byrds, Kinks, Traffic, Cream, Buffalo Springfield e Flying Burrito Brothers.
 
Também foi assim nos 70, com Led Zeppelin, J Geils Band, Humble Pie, Allman Brothers, New York Dolls, Pretenders, Clash, Police e Tom Petty & The Heartbreakers.
 
E depois de quase morrer de inanição nos anos 80, voltou forte dos anos 90 para cá. Primeiro com a turma dos "camisas de flanela" de Seattle. Depois, com a nova geração do power pop britânico. E sempre com as inúmeras manifestações indie que pipocam toda semana em cada canto do planeta.
 
Para essa gente, todo dia é dia de Rock.

Rock And Roll !!!
PS: Mandei esse texto para o site do Zé Louzada mês passado para colocar uma azeitona podre nas comemorações que estavam rolando sobre o Dia Mundial do Rock, e esqueci de postá-lo também aqui no nosso querido fórum de aborrecimentos. Segue agora. A foto lá no alto é do grande Screamin' Jay Hawkins. Beijos, Chico.