sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Diário do Feriadão (O Primeiro Dia)

Devo estar virando budista, ou minha pele levou um banho de teflon. O caso é que certos aborrecimentos não pegam mais em mim como pegavam antes.

Ontem à noite, por exemplo, fui ao cinema com Dona Inês checar a mais nova baboseira dos impagáveis Farrely Brothers -- os mesmos que cometeram aberrações cinematográficas deliciosas como "Eu, Eu Mesmo e Irene" e "O Que fazer Com Mary?". Compramos os ingressos e, na hora de entrar, "surprise surprise": sala praticamente lotada, e os poucos lugares restantes, além de extremamente mal localizados, eram unitários. Fui pedir a colaboração do bedéu da sala, em vão. Tive que ouvir do infeliz que deveríamos sentar em fileiras separadas se quiséssemos assistir ao filme, ou então aguardar duas horas pela próxima sessão.

Em vez de me aborrecer, parei e disse para Dona Inês: "vamos ver outro filme". Ele ficou visivelmente irritada, mas estranhou a minha determinação, e, mesmo não concordando, não esboçou reação contrária.

Como na sala ao lado estava passando um filme policial que trazia o grande Robert Duvall no elenco de apoio, pensei comigo mesmo: isso não pode ser pior do que esperar duas horas para ver as caretas do Ben Stiller. Então entramos, e assim que sentamos naquelas detestáveis poltronas reclinadas -- que o Toninho Tartaruga e o Claudio Abdalla insistem em dizer que são reclináveis, qua qua qua --, fui ameaçado por ela: "se o filme for uma bosta, você me paga..."Não tive que pagar nada. Felizmente o meu faro estava certo. Já na abertura, com fotos em PB dos arquivos do NYPD, ficou claro que não se tratava de um filme qualquer. O nome é "We Own The Night", traduzido erroneamente para cá como "Os Donos Da Noite", uma produção da dupla central de atores Mark Wahlberg e Joaquim Phoenix dirigida por um certo James Gray, que eu não conhecia até ontem -- mas devia, pois o filme passou em Cannes este ano, foi bem recebido por todos, e eu nem me toquei.

A ação se passa em 1988 em Nova York -- mais precisamente em Brighton, uma espécie de Cidade Ocyan que fica no cu do Brooklyn. Robert Duvall é chefe de polícia, e tem sobrenome russo. Seus dois filhos seguem caminhos opostos na vida. Um (Wahlberg) é disléxico, todo atrapalhado, e faz carreira na polícia sob as asas do pai. Outro (Phoenix), prefere trabalhar como gerente de uma boate brega que pertence a um imigrante russo rico que faz importação de peles, e está apaixonado por uma portoriquenha muito gostosa -- Eva Mendes, guardem bem esse nome, e essa imagem logo abaixo.Claro que a boate é ponto de venda de cocaína da Máfia Russa, e o personagem de Joaquim Phoenix faz vista grossa e deixa o comércio rolar solto por lá, pois é capitaneado pelo sobrinho do proprietário. Até que, uma noite, seu pai e seu irmão dão a dica que vão ter que estourar aquela boca, e deixam claro que ele vai ter que decidir de que lado vai querer ficar.

Daí em diante, o filme poderia virar um dramalhão de ação bem babaca. Mas, graças ao talento de James Gray e a um roteiro impecável, segue em frente, num tom dostoievskiano muito raro no cinema americano. E eu não vou contar mais nada. O nome do filme é "Os Donos Da Noite". É à prova de aborrecimentos. PS: Em 1988, o prefeito de Nova York era o popular Ed Koch, que no filme é interpretado por ninguém menos que... o próprio Ed Koch!