quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007

Conecttions: 10 Anos sem Francis - Victor - Wlat Whitman

Victor é o nome do cara. Possivelmente batizei meu terceiro filho assim (sem o c) por causa dele. O sujeito levava consigo aquela dose saudável de arrogância que chama a atenção de quem acha graça em uma certa dose saudável de arrogância. Cursamos aqueles três ou quatro últimos anos de colégio antes do vestibular. Nunca mais o vi, não lembro seu sobrenome e espero que esteja vivo. Lembro-me com certa freqüência do Victor, mas, essa semana, dois eventos de certa forma conexos trouxeram-me as melhores lembranças do cara.

Os dez anos da morte do Paulo Francis, sem dúvida, é a mais forte dessas conexões. O Victor, graças a algumas bombas que levei no ginásio, era pouco mais novo do que eu e não chegou a pegar o Francis do Pasquim, como eu. Mas estávamos em 1976 e o articulista estreara há poucos meses na Folha de São Paulo – graças às reformas que o Cláudio Abramo (trotskista como o Francis, na época) fazia naquele jornal – e já chegou botando pra quebrar. Sexta feira era o dia de comentar a coluna de quinta, e na segunda, falávamos da coluna de sábado. Mal nos cumprimentávamos. Já saíamos falando: “...cê viu? O cara desancou o Norman Mailer!”

Importante dizer que quem nos havia apresentado e nos feito ler Norma Mailer, entre inúmeros outros autores, tinha sido o próprio Francis. Esse, aliás, foi o grande legado dele para mais de uma geração de leitores: jogar uma bóia cosmopolita no lodeiro da nossa brasileiríssima jequice intelectual e estética – ou, ao menos, nos fazer ver o quanto somos jecas.

Éramos dois moleques imberbes e dividíamos o mesmo encanto diante da nova capa da revista Status (mulher pelada) e lendo um bom artigo do Paulo Francis. Tá, vamos ser francos, mulher pelada tinha mais importância do que o Francis discorrendo sobre Philip Roth ou Samuel Johnson. Mas, vá lá, tínhamos 16, 17 anos...

Mesmo quando Francis mandava suas vassouradas em nossos mais caros ídolos (é, adolescente tem ídolos, né?) era irresistível. Bob Dylan (a quem de certa forma admirava) era uma de suas vítimas prediletas: “Dylan era idolatrado. É ainda, por alguns. Fez algumas coisas infelizes como ter um caso com a amiga de Mogadon Suplicy, Joan Baez. Fico imaginando os dois brigando e como arma final ele cantando Blowin' in the wind e ela Guantanamera. É pior que barulho de murro em parede de quarto”. Bingo!

Lendo e vendo na TV tudo o que se falou sobre Francis, agora, nos dez anos de sua morte, faltou alguém dizer o principal: que ele ensinou muita gente (muitas vezes na base da porrada) a pensar com a própria moringa. Donde me incluo. E acho que o Victor também.

Pois eu estava lembrando do Victor por causa dos dez anos da morte do Francis quando, hoje cedo, fuçando meus livros, encontrei um exemplar de Folhas das Folhas de Relva, do poeta americano Walt Whitman. Há muitos anos que não o abro e, pra dizer a verdade, nem lembrava da existência dele na minha biblioteca. Lembrei que o Francis, no Manhattan Conecttion, quando flagrado em alguma contradição pelo bundinha Caio Blinder, adorava aporrinhá-lo (e confundí-lo) com versos de Whitman, “I contain multitudes”.

Abri a primeira página de Folhas... e me deparei com uma dedicatória curta e grossa:

distância = constante (minha?)
saudade = inconcebível
Aabraços,
Victor
1979


Convivi diariamente com esse amigo por pouco mais de quatro anos no falecido Colégio Decisão; nos anos seguintes, dividi com ele, em boa parte graças aos artigos do Francis, a solidão do desencanto com o pensamento de esquerda – hegemônico nas rodas pensantes da época. Afora um ou outro encontro casual, perdemos contato. Uma pena. Gostaria de saber o que pensa Victor sobre o mundo, trinta anos depois de nossas descobertas intelectuais juvenis.

7 Comments:

Blogger Leonardo said...

Este comentário foi removido pelo autor.

12:37 PM  
Blogger Leonardo said...

Por que você não procura o Victor no Google? Lá tem tudo! Até o sentido da vida, já encontrei lá.

12:38 PM  
Anonymous Anônimo said...

Foi do caralho acompanhar a Guerra do Vietnã , Massacre de My Lai e também a queda de Nixon passo a passo através dos artigos de Francis no Pasquim.
Perda de Ferancis, aborrecimento nível 9.0 na escala Milton.

9:45 PM  
Anonymous Anônimo said...

O Victor deve estar pensando o mesmo que vc: só aborrecimento!

2:22 PM  
Anonymous Anônimo said...

PODE TER ROLADO ALGO MAIS AI.
?HEIN? ?HEIN?
Ass:"ANONIMO VENUZIANO".

5:03 PM  
Blogger Manuel Mann said...

Luigi, não era com o Victor que você costumava ir ao Cine Brasília, na Pedro Lessa, assistir a "A Noviça Rebelde"?

Impressionante, não lembro desse cara. E eu também estudei lá no Decisão. Se bem que vivia bêbado num boteco alí do quarteirão com meu velho amigo Douglas Pombo.

A única lembrança que tenho daquela época é que a SKOL havia lançado a SKOL Litro, uma invenção genial que infelizmente durou apenas uma temporada.

9:45 AM  
Blogger Manuel Mann said...

Agora, falando sério:

Eu descobri o Francis por volta de 1978, 1979, já morando em Brasília. Eu estava recém chegado à UnB, e cursando um monte de matérias chatíssimas comandadas por um bando de chatos viciados em semiologia e desconstrutivismo. Eu não gostava, mas também não sabia direito o que pensar daquilo.

E então começou uma campanha contra o Francis dentro da Universidade, por conta daquele monte de malcriações que ele disparou contra o Zé Guilherme Melquior na Folha.

Melquior foi meu professor, um cara bastante afável, e um dos poucos naquele grupo que não babavam o ovo de Barthes, Derrida, Foucault e todos aqueles cretinos que a França exportou para os meios acadêmicos do mundo inteiro.

O Francis não tolerava era o fato do Merquior ser um acadêmico de carreira, dono de uma virtuose intelectual sempre a serviço do obscurantismo. O "Francês" -- como dizia o Antonio Maria -- sempre foi um crítico feroz dessa vocação bacharelística brasileira. E sempre odiou Universidades. Era um auto-didata peso pesado. Tudo nele era muito peculiar.

Lendo o Francis, não demorei muito a perceber que meus professores lá na UnB eram uns bostas.

Quase todos.

Eram poucas as excessões.

Tinha um judeu brilhante de Nova York, Stephen Schwartz, irmão do poeta Delmore Schwartz, muito amigo do Lou Reed. O cara tinha uma barba branca que parecia uma pirâmide de ponta cabeça, vivia usando camisas do Flamengo e era casado com uma negra enorme de gorda. Imagino o quanto ele deve ter sido tripudiado pela Comunidade Judaica.

Tinha também o Arthur Meskell, um irlandês muito simpático, que era amigo pessoal da Iris Murdoch, e que me fez ler quase que a obra completa dela, e que me convidava para participar todo ano de operetas vitorianas de Gilbert & Sullivan, que ele próprio montava no Teatro Nacional, com o apoio do british Council. Participei de duas montagens de "HMS Pinafore" e "Pirates of Penzance". Se eu tivesse alguma vocação para ser viado, teria tido uma grande chance de me iniciar no assunto no Vestiário dos "Rapazes" que estavam participando. Aquilo sim era viadagem de responsa, tudo o mais é apenas perfumaria.

Tinha também um Professor de Literatura Brasileira, o Salles, uma bicha enorme de 2 metros de altura, muito divertida, que costumava dar festas em sua casa usando uma roupa de Cardeal que ele comprou não sei aonde. Imitava a cantora paraibana Amelinha, cantando " Mulher Nova Bonita e Carinhosa..." em latim. Nâo costumava se envolver com seus alunos. Mas gostava de tê-los sempre por perto. Só se relacionava intimamente com jovens recém-ingressados no Exército Brasileiro. Era um grande incentivados das Forças Armadas.

Bom, quando comecei a ler as duas páginas semanais do Francis na Folha, e a seguir as indicações que ele passava para os leitores, percebi que aquelas duas aulas semanais daquele alemão meio bandalho criado em Botafogo valiam por uma Universidade inteira.

E então, a minha vida melhorou.

Francis conseguiu a proeza de deixar lembranças muito positivas. Sabia combinar as funções de professor e companheiro de botequim de forma brilhante.

Sempre que penso nele, penso com carinho.

11:02 AM  

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