quinta-feira, 2 de novembro de 2006

Sai da frente que atrás vem véio


Eu gosto das criancinhas e dos velhinhos. Na verdade, eu gosto da “maldade” nas criancinhas e nos velhinhos. As crianças são malvadas, porque são sinceras demais. Se um amiguinho é chato, ninguém quer brincar com ele e pronto. Não existe essa falsa generosidade que gente grande preza tanto do tipo: “Chama o seu amiguinho pra brincar que ele ta sozinho, coitadinho” ou “Por quê você não empresta a sua boneca pra sua coleguinha, Carol?”. Só digo uma coisa: Eu odeio os falso-moralistas. É por isso que eu gosto dos velhinhos e das crianças.
Quando eu morava na Vila Mariana, ia comprar pão no supermercado Pastorinho quase todos os dias. Muitas vezes, chegava antes de abrir. Mas eu até gostava de ficar esperando, pois era agraciado com um espetáculo impar. Muitos velhinhos (acho que todos que moravam ali por perto) acordavam todos os dias bem cedo e tocavam para o Mercado. Ficavam ali do lado de fora se entreolhando, massageando suas banguelas, uns até rosnando um pouco, num clima de tensão pré-combate. Quando o funcionário encarregado de abrir as portas se aproximava, os velhinhos se aglomeravam do lado de fora na tentativa de garantir um melhor posicionamento. A maçaneta mal girava e o funcionário era praticamente atirado pra trás com o estouro da boiada. Bengaladas daqui, cotoveladas dali, dentaduras pelo chão... mas ninguém reclamou uma única vez que eu tenha presenciado. Pelo contrário, o espírito competitivo parecia manter aquelas criaturas de pé. No começo, fiquei indignado. Depois comecei a achar graça. Com o tempo, passei a competir com eles. Covardia? Foda-se! Eu tinha pressa.