Por menos importante em termos artísticos que a Festa dos Oscars possa ser nos dias de hoje, é sempre difícil para qualquer dependente químico e psicológico da Sétima Arte como eu conseguir resistir à mística, ao charme e até mesmo às idiossincrasias que cercam a Entrega dos Oscars ano após ano.
Eu confesso: por mais que eu tente, não consigo evitar ficar mobilizado por essas deliciosas frivolidades. E pouco importa se os critérios artísticos são altamente duvidosos. O caso é que eu acabo sempre grudado na TV até tarde, de olho nas opiniões (quase) sempre sensatas do Rubens Ewald Filho -- o único comentarista de cinema que entende dos Oscars na TV brasileira -- após cada premiação, sempre vibrando com resultados artisticamente justos, e ficando muito puto com as injustiças.
Nesse ano, haviam indicações bastante claras de que a Festa dos Oscars corria o risco de ser aborrecida. Primeiro porquê nenhum dos filmes indicados demonstrou ter bala na agulha para despertar grandes paixões no público. São, em princípio, apenas filmes bons e discretos, ao contrário do ano passado, que teve participantes muito mais efusivos, mercadologicamente falando. Segundo, porquê escalaram como "Mestre de Cerimônias" a atriz, comediante e ativista lésbica Ellen de Generes.
Eu não gosto do humor de Ellen. Já não gostava 10 anos atrás, quando ela fazia aquela série de TV em que era dona de uma livraria. Gosto menos ainda agora. Naquela época, Ellen ainda tinha a seu favor um certo frescor juvenil, que fazia uma enorme diferença na maneira de defender sua opção sexual. Havia algo de delicadamente ambíguo no personagem que ela fazia, que fornecia a densidade dramática certa para seu tom de comédia.
Hoje, Ellen não tem mais nada disso. Suas piadas disparadas ao longo da Festa do Oscar deste ano, quando não eram forçadas, revelavam um extremo mau gosto – como no comentário que fez sobre Judy Dench, que não estava presente à festa, por "ter ido fazer uma cirurgia de implante de silicone às pressas", para poder concorrer com o decote magnífico ostentado na Festa por sua conterrânea e contemporânea Helen Mirren.
Lésbica por lésbica, continuo preferindo Wooppie Goldberg como "Mestre de Cerimonias". Pelo menos ela consegue provocar gargalhadas. E é uma comediante de verdade. Ellen é -- sem gracinhas -- um pintinho perto dela.
O caso é que por trás da convocação de Ellen para comandar a festa, havia um problema político pendente da Festa dos Oscars do ano passado, quando a Academia se negou a premiar "Brokeback Mountain" como melhor filme. Bichas do mundo inteiro se uniram contra a não-premiação daquele que se transformou numa espécie de "réquiem para os invertidos", e prometeram represálias. Daí, para fazer média com as bibas, os marquetólogos da Academia concluíram que, com uma lésbica assumida no comando da Festa do Oscar, seria possível, com um pouco de diplomacia, reverter essa "saia justa", literalmente falando.
E aparentemente a empreitada deu certo. Tanto que deram um jeito de incluir negros, mexicanos, e até nipônicos entre os concorrentes e premiados, para dar um reforço na estratégia dos marqueteiros. Com isso, conseguiram isolar os fãs ardorosos do casal de "cowboys do babado" das outras "minorias", neutralizando as bichas, que de quebra ainda tiveram que engolir tudo isso a seco – prática que, como todos nós sabemos, elas odeiam fazer.
Mas o caso é que, contrariando as minhas expectativas iniciais, a Festa de Entrega dos Oscars acabou sendo muito menos aborrecida do que poderia ter sido.
A começar pelas atrizes, que -- salvo uma Jodie Foster ou outra -- estavam maravilhosamente bem vestidas, o que é pouco comum na Festa dos Oscars. Parece que os produtores do espetáculo finalmente se tocaram que basta não mandar convites para Cher, Geena Davis, Sissy Spacek e Dolly Parton que todos os outros convidados resolvem se vestir que nem gente civilizada.
Eu confesso que perdi o fôlego quando vi Gwyneth Paltrow, lindíssima, num vestido com um tom meio laranja, meio salmão, que contrastava de forma magnífica com sua pele alva. Lembrei de Nelson Rodrigues, que dizia que a nudez de uma mulher não-bronzeada é sempre mais reveladora. Gwyneth é uma loura para acabar com todas as outras louras. Vê-la tirar aquele vestido deve ser tão intenso quanto estar diante do Santo Graal. Sem Exordil não dá para encarar. Tenho certeza que o salto qualitativo nas canções do Chris Martin para o Coldplay de uns poucos anos para cá se deve à influência dela no dia a dia dele.
(Sou apaixonado por Gwyneth Paltrow, acho que já deu para perceber)
Fiquei também bastante impressionado com o shape magnífico da (agora) opulenta Penélope Cruz, que vestia um modelo também em tons pastéis, aparentemente pesadão, mas que conseguia combinar com uma leveza surpreendente influências hispânicas clássicas com um toque de gala bem modernoso. Todas as vezes que a vi de relance na Festa, absolutamente exuberante, pensei em seu ex-namorado -- o bundinha Tom Cruise -- e fiquei imaginando a musa magnífica que a Cientologia deixou escapar. Com Penélope, eles teriam conseguido arrebanhar toda a América de língua espanhola. Perderam uma chance e tanto de dominar o mundo.
Além disso, adorei ver Meryl Streep e Diane Keaton sorrindo boa parte da noite. As duas são maravilhosas quando sorriem. Meryl principalmente. Ela é totalmente WASP. Um mulherão. Diane também era, até uns poucos anos atrás. Aquele filme com Jack Nicholson, "Something´s Gotta Give", parece ter sido seu último sopro de jovialidade física -- o último elo de ligação de uma personagem sua com a adorável Annie Hall, de Woody Allen. Mas, mesmo assim, é bom saber que ela ainda está por aí, circulando. É uma bela senhora. Ray Charles diria que tanto uma quanto a outra possuem "the brightest smile in town".
Mas, claro, aborrecimentos sempre existem. Até porquê os lobbies da Indústria Cinematográfica não costumam seguir o bom senso a maior parte do tempo. Mas incomodaram muito pouco dessa vez. Gostei muito de ver Alan Arkin premiado pelo adorável "Little Miss Sunshine". Gostei muito também de ver Helen Mirren premiada pelo magnífico "A Rainha". E achei genial finalmente premiarem Martin Scorsese, ainda que por um filme de encomenda -- o certo teria sido premiá-lo por "Bons Companheiros" ou "Cassino", mas, como todos sabemos, Deus não existe, nem mesmo em Hollywood.
Confesso ainda que não consegui entender porquê premiar Jennifer Hudson, de "Dreamgirls". Assim como não entendi porquê premiar Forrest Whitaker. Jennifer Hudson é uma boa cantora iniciante, mas não é atriz, e agora, com esse prêmio, talvez nunca venha a ser, de tão inflada que deve estar no momento. E Forrest Whitaker, com sua imutável expressão de "cry baby", é um dos atores negros mais irritantes de todos os tempos. Nâo aprendeu nada com James Earl Jones ou Paul Winfield. Nâo o perdôo pelo que fez com Charlie Parker em "Bird", filme de Clint Eastwood. Além do mais, é um chato. Seu discurso de agradecimento parecia o discurso de posse de Lula 4 anos atrás, cheio de maneirismos, clichês sentimentalóides e um toque insusportável de pretensa justiça social. Coisa de pobre.
Como sempre, ao final da Festa dos Oscars, todo mundo se deu bem.
Todo mundo menos os realizadores de "Babel", que, na minha maneira de ver, merecia o Oscar de Melhor Filme. Até porquê era o melhor filme. E o mais bonito. E o mais climático. E o mais criativo. E o mais inspirado também. Deixá-lo totalmente para escanteio foi injusto. Mas, fazer o quê? O mesmo aconteceu no ano passado com "Boa Noite e Boa Sorte". E aconteceu no ano retrasado com "Sideways". E vai acontecer de novo no ano que vem com algum outro filme altamente gabaritado. Injustiças assim fazem parte da Festa de Entrega dos Oscars todo ano.
Presumo que o lobby de "Babel" tenha sido muito fraco. Talvez os realizadores tenham confiado demais nos atributos artísticos do filme, e daí subestimaram a necessidade que muitos acadêmicos costumam ter por alguns "afagos" das produções participantes. Basta dizer que o produtor de "Os Infiltrados", que foi o grande vencedor da noite, estava concorrendo com dois filmes -- o outro era "Diamantes de Sangue", com Leo DiCaprio e Jennifer Connely --, e deve ter gasto uma bela fortuna promovendo o filme perante os "acadêmicos", com muitos presentinhos e brindes. Deu no que deu.
Já o lobby de "Dreamgirls" pelo visto não vingou mesmo. Apesar do filme vir com a chancela da poderosíssima Dreamworks, só levou o prêmio de Atriz Codjuvante. Muito pouco, levando-se em consideração que a maravilhosa Beyoncé e suas meninas concorriam com 3 das 5 canções que estavam no páreo de Melhor Canção, e mesmo assim perderam para a chata (e lésbica diehard) Melissa Etheridge, uma imitadora descarada de Bruce Springsteen. Bruce chega a parecer feminino quando posa ao lado dela. Impressionante.
Enfim, teve de tudo nessa 79a Festa dos Oscars. Só não teve paixão. Nenhum dos filmes fez uma campanha muito vigorosa. Talvez tenha sido melhor assim, depois de toda a encrenca que rolou no ano passado, quando premiaram aquele lixo cientológico chamado "Crash", sem dúvida um dos maiores equívocos artísticos que a Academia de Artes e Ciências de Hollywood já cometeu.
No final das contas, valeu a pena ver a trinca Coppola-Spieberg-Lucas recepcionando com as devidas honras o anão de Little Italy, Martin Scorsese, finalmente no palco com um Oscar na mão.
E valeu a pena ver o novo visual de Jack Nicholson, completamente careca e mais exu do que nunca.
E, mais uma vez, valeu pelo deleite visual proporcionado pela beleza estonteante de Gwyneth Paltrow e Penelope Cruz. Por mim, as duas poderiam levar para casa todos os Oscars que quisessem. Aliás, podiam me levar junto também, e eu faria minhas as palavras clássicas de Maurice Chevalier em GIGI: "Thank God For The Little Girls!"